sexta-feira, 17 de março de 2017

As eleições legislativas de 2017 na Holanda

Temia-se o pior após a ascensão de Trump nos EUA. E as intenções de voto percebidas em algumas sondagens colocavam à frente o partido do populista xenófobo Geert Wilders.
Porém, os resultados permitem que a Europa, pelo menos, respire. Os holandeses acorreram em massa às urnas: perto de 80% do eleitorado votou, o que não acontecia na Holanda há 11 anos e não sucede entre nós há 37. E os votantes não se deixaram levar pelo canto de sereia populista.
Assim, o liberal conservador Mark Rutte continuará como primeiro-ministro, apesar de castigado nas urnas no dia 15. Com efeito, venceu as eleições legislativas com distância folgada. Para trás ficou o espectro de um governo liderado pela extrema-direita.
O outro partido vencedor foi o Partido Os VerdesFoi a maior subida entre os 28 partidos que concorreram às eleições. Partido do jovem Jesse Klaver, apelidado na Holanda como o “Jessiah”, ganhou mais 10 deputados, tendo agora 14. É, no dizer do Guardian, o grande vencedor. Registou a subida mais notória entre os partidos arrastando com os bons números uma subida também dos partidos de esquerda, ao mesmo tempo que há uma queda dos partidos do centro, sobretudo do PvdA, dos trabalhistas que estavam no Governo em coligação com Mark Rutte e que agora estão reduzidos a apenas 9 deputados no Parlamento. O líder de Os Verdes, filho de pai marroquino e de mãe com ascendência indonésia, sustentou que a resposta da esquerda ao crescimento da extrema-direita tinha de assentar numa defesa forte dos seus ideais pró-Europa e dos refugiados e imigrantes.  
O terceiro lugar foi disputado entre os democratas-cristãos (CDA) e os liberais progressistas (D66). Bem mais à frente estava o liberal conservador (VVD) de Mark Rutte, com 33 dos 150 lugares do Parlamento.
A participação no debate de 13 de março não terá beneficiado Wilders e a crise diplomática com a Turquia terá ajudado o primeiro-ministro em funções, que tomou uma posição firme, proibindo ministros turcos de fazerem campanha em solo holandês para o referendo de abril, destinado a reforçar os poderes do Presidente Recep Tayyip Erdoğan.
Ao invés, o partido de Jeron Djisselbloem – o PvdA (trabalhistas) – foi penalizado nas urnas depois de estar em coligação de bloco central com o VVD de Mark Rutte e ficou apenas com 9 representantes no Parlamento, ficando como a sétima força política do país. Por isso, outra incógnita se levanta não apenas para a Holanda como para a Europa: o que vai acontecer ao ainda ministro das Finanças e líder do Eurogrupo (grupo dos ministros das Finanças da zona euro)? Mantê-lo-á Rutte como ministro das Finanças? E se não mantiver, poderá Djisselbloem continuar a ser o líder do Eurogrupo? Por enquanto, o tempo corre a seu favor, dado que este terceiro governo de coligação demorará a formar. Djisselbloem, por seu turno, já disse querer acabar o mandato à frente do Eurogrupo e há várias movimentações para que isso aconteça, mesmo que o holandês não venha a integrar o Governo.
O que sucedeu ao PvdA terá sido mais um marco da crise da socialdemocracia europeia, na esteira do que sucedeu aos seus homólogos, o britânico (Labour), o espanhol (PSOE), o francês (PS) e o austríaco (SPÖ) – com maus resultados, sondagens desfavoráveis e crises de liderança. E, apesar de ser de centro-esquerda, é um partido fortemente pró-austeridade. Uma das suas figuras gradas é, como ficou entrelinhado, Jeroen Dijsselbloem, um político fortemente crítico da situação político-económica portuguesa.
Apontam-se como causas do desaire: a crise da socialdemocracia europeia; a tradição de castigo ao parceiro mais pequeno duma coligação governativa, sobretudo quando apoia cortes orçamentais; a resiliência do primeiro-ministro Rutte (do VVD) por ter adotado parte do discurso anti-imigração de Wilders; e o reforço do líder do Executivo por ter assumido posição dura face aos insultos do Presidente turco. No conjunto, os partidos do Governo perderam mais de metade da representação parlamentar, tendência observada em atos eleitorais em todo o continente.
Os partidos estreantes na vida parlamentar são o Denk (dirigido aos imigrantes, elegeu 3 representantes) e o Fórum pela Democracia (FvD, direita populista, 2 assentos). Igualmente representados no Parlamento, em Haia, estarão a União Cristã (mantém os 5), o Partido Reformado (mantém 3), o Partido dos Animais (PvdD, de 2 para 5) e o 50+ (centrado nos reformados, de 2 para 4).
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Está aberto, agora, um período de conversações, que se adivinha longo, para formar um Governo que incluirá quatro ou mais partidos. Mas não é só o futuro prático do que será o Governo holandês que está no centro das análises, mas o facto de os movimentos populistas de extrema-direita, apesar do crescimento, terem ficado de algum modo controlados por aquilo que foram os resultados finais na Holanda.
A maior incógnita é: como vai Mark Rutte liderar o país? O número mágico nestas eleições é o 76, pois são necessários 76 deputados para a assegurar a maioria parlamentar de apoio à governação e Mark Rutte só conseguiu 33, nem metade do que precisa para obter necessária maioria. Mas isso é o normal naquele país habituado a longas negociações para formação de Governo. 
As negociações mais longas demoraram 208 dias. E, desta vez, elas não se preveem nada fáceis. No seu primeiro mandato, Rutte coligou-se com Geert Wilders, que acabou por abandonar o executivo. Depois, coligou-se com o PvdA de Jeroen Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo e ainda ministro das Finanças. Agora poderá não se coligar com nenhum dos dois, mas precisa de pelo menos mais três aliados para fechar a formação do Governo. 
Rutte está, assim, obrigado a forjar nova aliança de Governo. É que o VVD ganhou as eleições, mas perde deputados (tinha 41). E o seu parceiro de coligação cessante, o trabalhista PvdA, sofre um desaire inédito, caindo de 38 para 9 assentos, passando de segundo a sétimo a nível nacional e deixando, por conseguinte, de liderar a esquerda, ultrapassado que foi pelo D66, verdes (GL, 14) e pelos socialistas radicais (SP, 14). No entanto, Mark Rutte recebeu felicitações, por entre suspiros de alívio, da parte de gradas figuras como a chanceler alemã Angela Merkel (“Mal posso esperar por trabalhar com amigos, vizinhos e europeus”), do primeiro-ministro italiano Paolo Gentiloni, do ministro dos Negócios Estrangeiros francês Jean-Marc Ayrault (“Parabéns aos holandeses, que pararam a ascensão da extrema-direita”) ou o do presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, que aplaudiu a escolha dos eleitores holandeses “contra os extremistas” e falou de “um voto pela Europa, um voto contra os extremistas”.
E Geert Wilders vendeu cara a derrota, comentando na rede social Twitter:
“Conseguimos assentos parlamentares! Essa é a primeira vitória! Não é a última vez que Rutte vai ouvir falar de mim.”.
Terá vencido em Roterdão, mas, acusado por muitos de racismo e xenofobia, ver-se-á obrigado a conviver com vários (até 9) deputados de origem turca na próxima legislatura. Mesmo assim, declarou que o PVV está “entre os vencedores” e ofereceu-se para alianças de Governo que parece ninguém querer selar com ele.
Wilders ganhou, em campanha eleitoral, um protagonismo que os media terão de ponderar, agora, por força da contagem dos votos. É que o líder do PVV, que atraiu as atenções dos jornalistas, vai ser bem menos relevante para o futuro da Holanda do que o verde Jesse Klaver, o liberal progressista Alexander Pechtold ou o democrata-cristão Sybrand Buma – que podem vir a integrar o Executivo, ao passo que ele não. Alienou qualquer cenário de aceitação com um discurso antimuçulmanos e querendo proibir o Corão, fechar as mesquitas do país e deportar os islâmicos que cometam crimes. No rasto de dirigentes políticos europeus como Marine Le Pen (Frente Nacional, França) ou Frauke Petry (Alternativa para a Alemanha), sentia-se reforçado pela vitória eurocética no referendo de 2016, no Reino Unido, e pela ascensão de Donald Trump a figura de topo nos EUA.
Se a Holanda tem tradição de parlamentos fragmentados, a recente ida às urnas acentuou essa tendência, favorecida por um sistema eleitoral altamente proporcional: os deputados são eleitos num único círculo nacional sem percentagem mínima de votos, pelo que 0,67% já garantem um assento. Em 2017, passa a haver 13 em vez de 11 forças representadas e a distribuição é bem mais equitativa. Para alcançar o número mágico de 76 lugares (maioria absoluta), serão necessários quatro ou mais partidos. Mas, no Parlamento, poderá ser viável uma aliança de Governo entre o VVD de Rutte, os democratas-cristãos (CDA) e os liberais progressistas (D66), acompanhados ou não pelos trabalhistas. O líder do D66, Alexander Pechtold, dizia estar a viver uma “noite fantástica”, ao passar a liderar a “maior força progressista” holandesa.
Será, todavia, de direita, ainda que não extrema, a índole do próximo Executivo holandês.
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Em Portugal, as reações não se fizeram esperar e com razão. O Presidente da República considera que os resultados eleitorais na Holanda, onde foi reeleito o primeiro-ministro, são “boa notícia” para a Europa e para Portugal, pois, “aparentemente não há alteração no Governo, continua a mesma linha europeia, a mesma linha moderada”. De facto, a “escolha do povo holandês” é “uma boa notícia para os parceiros como Portugal”, “para todos os que defendem uma Europa moderada, unida, coesa, forte”.
E ao ministro dos Negócios Estrangeiros, que julga o resultado eleitoral na Holanda “muito encorajador”, frisando que foi “clamorosamente derrotada” a força que propunha “romper com a União Europeia e o seu modelo democrático e social”, junta-se o PS a comentar:
“O resultado das eleições legislativas na Holanda demonstra, sobretudo, a justeza do que tem defendido o PS e promovido na sua ação externa o atual Governo de Portugal: o sucesso e o progresso da União Europeia só é possível se a comunidade voltar a ser entendida como um projeto de prosperidade partilhada, assim entendida por todos os Estados-Membros e por todos os povos, com resultados concretos refletidos na vida dos cidadãos. Isso implica concretizar a prioridade às políticas direcionadas para o crescimento e o emprego.”.
Mas avisando e sentenciando:
“É preciso concretizar as políticas pelas quais a UE retome o caminho da convergência e da coesão, para que todos os europeus compreendam a importância de pertencer a um espaço comum, assente nos valores da paz, justiça, tolerância e solidariedade. Essa é a resposta política que, a nível da União Europeia, deve ser dada ao crescimento eleitoral das forças políticas de extrema-direita e populistas, dos nacionalismos antieuropeístas, das forças que atacam a coesão das nossas sociedades e da Europa.”.
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A extrema-direita não venceu. A Europa respira de alívio, mas tem de se redefinir!

2017.03.16 – Louro de Carvalho

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